Antes de Cristo ser julgado, várias tentativas tinham sido feitas para prendê-lo, todas sem sucesso.
Numa delas, os sacerdotes e os fariseus ficaram indignados com os soldados que voltaram de mãos vazias. Dessa vez, a frustrada tentativa não recaiu sobre o medo da reação da multidão, que não aceitaria a prisão de Cristo, mas porque os soldados ficaram atônitos com as suas palavras. Eles disseram aos sacerdotes que “nunca alguém falou como este homem”. Os sacerdotes, indignados com os soldados, os repreenderam e disseram que ninguém da cúpula judaica havia acreditado nele, apenas a “ralé” inculta. O que não era verdade, pois vários sacerdotes e fariseus admiravam e acreditavam em Cristo, mas tinham medo de declarar isso em público.
Apesar de várias tentativas frustradas, chegou o momento de ele ser traído, preso e julgado. Ele impressionou os soldados que o prenderam por se entregar espontaneamente, sem qualquer resistência. Além disso, intercedeu pelos três discípulos que o acompanhavam, pedindo aos guardas que não os prendessem. Assim, no momento em que foi preso, continuou a ter atitudes incomuns; ainda havia disposição nele para cuidar fraternalmente do bem-estar dos seus amigos.
Quando sofremos, só temos disposição para aliviar nossa dor, mas quando ele sofria ainda havia disposição nele para cuidar dos outros. E não apenas isso, na noite em que foi traído, sua amabilidade e gentileza eram tão elevadas que teve reações impensáveis com seu próprio traidor.
Vejamos.
Cristo foi traído e preso no jardim do Getsêmani. Era uma noite densa e ele estava orando e esperando esse momento. Então, Judas Iscariotes apareceu com um grande número de guardas. Cristo tinha todos os motivos para repreender, criticar e julgar Judas. Todavia, o registro de Mateus diz que, mesmo nesse momento de profunda frustração, ele foi amável com seu traidor chamando-o de amigo, dando-lhe, assim, mais uma oportunidade para que ele se interiorizasse e repensasse em seu ato. Judas, nesse momento, fez um falso elogio: “Salve, ‘Mestre’!”, e o beijou. Jesus, porém, lhe disse:
“Amigo, para que vieste?”. Aqui há algumas importantes considerações a serem feitas.
O beijo de Judas indica que Cristo era amável demais. Judas, embora estivesse traindo seu mestre, embora o conhecesse pouco, conhecia o suficiente para saber que ele era amável, dócil e tranqüilo. Sabia que não seria necessário o uso de nenhuma agressividade, nenhuma emboscada ou armadilha para prendê-lo. Um beijo seria suficiente para que Cristo fosse reconhecido e preso naquela densa noite escura no jardim do Getsêmani.
Qualquer pessoa traída tem reações de ódio e de agressividade. Por isso, para traí-la e prendê-la são necessários métodos agressivos de segurança e contenção. Entretanto, Cristo era diferente. Judas sabia que ele não reagiria, que não usaria qualquer violência e muito menos fugiria daquela situação, portanto bastava um beijo. Em toda história da humanidade, nunca alguém, por ser tão amável, foi traído de maneira tão suave!
Cristo sabia que Judas o trairia e estava aguardando por ele. Quando ele chegou, Cristo, por incrível que pareça, não o criticou nem se irritou com ele. Teve uma reação totalmente diferente do nosso padrão de inteligência. O normal seria ofender o agressor com palavras e gestos ou emudecer diante do medo de ser preso. Porém Cristo não teve essas reações. Ele teve a coragem e o desprendimento de chamar o seu traidor de amigo e a gentileza de levá-lo a se interiorizar e a repensar sua atitude.
Perdemos com facilidade a paciência com as pessoas, mesmo com aquelas que mais amamos.
Dificilmente agimos com gentileza e tranqüilidade quando alguém nos aborrece e nos irrita, ainda que esse seja nosso filho, aluno, amigo ou colega de trabalho. Desistimos fácil daqueles que nos frustram, decepcionam.
Judas desistiu de Cristo, mas Cristo não desistiu de Judas. Ele deu-lhe até no último minuto uma preciosa oportunidade para que ele reescrevesse sua história. Que amor é esse que irrigava a emoção de Cristo com mananciais de tranqüilidade num ambiente desesperador? Que amor é esse que o conduzia, mesmo no ápice da sua frustração, a chamar seu traidor de amigo e a estimulá-lo a revisar a sua vida? Nunca, na história, um traidor foi tratado de maneira tão amável e elegante! Nunca o amor chegou a patamares tão elevados e sublimes.
Análise da inteligência de Cristo : o Mestre dos Mestres
Augusto Jorge Cury — São Paulo: Academia de Inteligência, 1999.