Agora imagine Cristo, no atual estágio da psiquiatria e da psicologia, participando daquele congresso científico. De repente, ele se levanta e discursa que se alguém cresse nele, se vivesse o tipo de vida que ele propunha, do seu interior jorraria um prazer inesgotável, fluiria um “rio” de satisfação plena, capaz de irrigar toda a sua trajetória de vida. Certamente todos os presentes naquele congresso ficariam chocados com seus pensamentos. Todos ficariam se perguntando como este homem teve a coragem de afirmar que possui o segredo de como fazer fluir do âmago da mente humana um sentido existencial pleno. Que pensamentos são estes? Como é possível alcançar tal experiência de prazer? Suas palavras causariam um grande escândalo e, ao mesmo tempo, provocariam profunda admiração em alguns!
Ele não seria condenado à morte como na sua época, pois as sociedades modernas se democratizaram, mas, se insistisse nesta idéia, seria expulso daquele evento ou, então, seria taxado como um paciente psiquiátrico. Todavia, como alguém pode ser taxado por dizer palavras tão ousadas, impensáveis, e ser, ao mesmo tempo, intelectualmente lúcido, emocionalmente tranqüilo, capaz de perceber os sentimentos humanos mais profundos e de superar as ditaduras da inteligência? Cristo, de fato, é um mistério.
Em algumas ocasiões, Cristo proferia pensamentos totalmente incomuns, que eram cercados de enigmas, fugindo completamente à imaginação humana. Embora ele tocasse na necessidade íntima de satisfação do homem, suas palavras eram surpreendentes, inesperadas. Se o investigarmos criteriosamente constataremos que, ao contrário do que muitos pensam, seu desejo não era produzir regras morais, idéias religiosas, corrente filosófica, mas transformar a natureza humana, introduzi-la numa esfera de prazer e sentido existencial. Provavelmente nunca ninguém discursou com tanta eloqüência sobre essas necessidades fundamentais do homem como ele.
Cristo era audacioso. Sabia que suas palavras perturbariam a inteligência da sua época e, sem dúvida, das demais gerações, mas ainda assim não se intimidava, pois era fiel ao seu pensamento. Falava com segurança e determinação aquilo que estava dentro de si mesmo, ainda que muitos ficassem confusos diante das suas palavras ou corresse risco de vida.
Se elas fossem ditas na atualidade, alguns psiquiatras ficariam tão perturbados ao ouvi-las que talvez dissessem entre si: “Quem é este homem que proclama tais idéias? Estamos na era dos antidepressivos que atuam no metabolismo da serotonina e de outros neurotransmissores. Só conseguimos atuar na miséria do homem psiquicamente doente, não sabemos fazer do homem um ser mais contemplativo, solidário, feliz. Como pode alguém ter a pretensão de propor uma vida emocional e intelectual intensamente rica, qualitativa?”. Outros talvez comentassem: “Não sabemos nem como estancar as nossas próprias angústias, as nossas próprias crises existenciais, como pode alguém propor um prazer pleno, incessante, que jorra do interior do homem?”.
Cristo, de fato, disse palavras inatingíveis para o atual estágio da ciência. Suas metas em relação ao prazer e ao sentido existencial são tão elevadas que representam um sonho ainda não sonhado pela psiquiatria e pela psicologia do século XXI. Suas propostas são muito atraentes e vão ao encontro das necessidades mais íntimas da espécie humana, que apesar de possuir o espetáculo da construção de pensamentos, é tão desencontrada, submete-se a tantas doenças psíquicas e tem dificuldade de contemplar o belo e viver um prazer estável.
Crer ou não em suas palavras é uma questão pessoal, íntima, pois seus pensamentos fogem à investigação científica, extrapolam a esfera dos fenômenos observáveis.
As idéias e intenções de Cristo, ao mesmo tempo que representam uma belíssima poesia que qualquer ser humano gostaria de recitar, abalam a maneira como compreendemos a vida. Cristo não apenas chocou profundamente a cultura da sua época, mas, se tivesse vivido nos dias de hoje, também perturbaria a ciência e a cultura moderna.
Cury, Augusto Jorge.
Análise da inteligência de Cristo : o Mestre dos Mestres / Augusto Jorge Cury — São Paulo: Academia de Inteligência, 1999. 232 p. ; 21 cm.